Como é estranha a cabeça dos velhos!
Quando os filhos começam a sair de casa, nesse momento damos conta que já não poderemos viver mais juntos.
Para nós, a família é uma coisa muito importante, achamos que podemos viver todos na mesma casa.
Desconhecemos como a família é uma coisa boa e má ao mesmo tempo, que nos faz sofrer.
Talvez um dia os filhos e os netos irão perceber!
Um dia em que possam ter memórias como eu!
Vejo que ás vezes os filhos e netos me olham com inquietação, imagino que pensam na minha morte.
Na idade em que estou é uma ideia que sempre me invade, não tenham receio de falar disto.
O meu corpo é agora um território desconhecido.
Todos os dias me incomodam mais os sinais que dele recebo.
Nas vossas idades os vossos corpos reagem e crescem de uma outra maneira.
EU NÃO!
A fantasia ajuda, claro, mas o corpo permanece em silêncio!
Quase sempre fico pela imaginação, pelo menos até que a memória não se perca.
Tive a sorte de ainda conhecer netos, já sou a avó. Mas...certamente já não verei bisnetos, não serei só a avó, serei a avó velhinha, até que um dia morrerei num LAR.
Não assistirei a nada disso.
Sei pelos vossos pais, que vocês meus netos olham para mim, como sendo a avó DOENTE.
Após as cirurgias, quando regresso a casa, vocês me vão ver, me abraçam, me beijam.
Dorida na alma e no corpo, pelas cirurgias, gosto muito de vos sentir junto de mim!
Choro muito à noite, sem que ninguém perceba a razão!...
Nos hospitais recordei muitas vezes aminha infância, quando estava doente, e a minha avó me tratava com papas de linhaça, para baixar a febre, a minha avó fazendo carinho na minha testa e dizendo: -«Não tarda nada a febre vai baixar».
Olhava e sorria para mim com um olhar diferente, uma alma sofrida com dor, uma mão que me afagava cheia de ternura!
Quero vos dizer que quando estou nos Hospitais com dores físicas e tratamentos dolorosos, mordo os lábios para me conter, mas não digo nada que manifeste o meu sofrimento...apenas penso em vocês!
Dão-me FORÇA!
Quero dizer-vos que penso muito, e cada vez mais, no nosso afastamento, com receio que as relações familiares fortes se destruturem!
Penso que uma criança, só (nos) ama se aparecermos muitas vezes junto delas.
Imagino a minha família á minha espera na expectativa de um bocado de ternura!
A dúvida persiste.
Se não deveria ter estado mais tempo com os meus filhos, a incerteza do caminho percorrido em busca do sucesso profissional, a correr á procura de tudo...do amor, a correr do emprego para casa sem parar um instante para olhar em volta!
Agora que tenho quase sessenta e três anos, a memória me traz todos os dias sombras do passado!
Gostaria de saber repartir a tristeza da proximidade da morte por todos os dias da semana, em vez de lidar com o desprezo diário da vida, que me faz sentir todos os dias a energia que autrora me mantinha forte!
Dessas sombras quero apenas ter vagas ideias, e se não for pedir muito, querer apenas, um fio de água antes de morrer, um abraço de ternura sozinha!..
Não quero falar mais nesses dias...quero sim, falar nos anos seguintes!
CHICA